ORÇAMENTO DE 2013 – MISÉRIA E MORTE, NÃO!

Quando tudo arde… escrevia eu aqui, há uns meses. Entretanto, uma espécie de náusea afastou-me, desde então, não de pensar sobre o que ia acontecendo, mas de escrever sobre isso. Que valem as minhas palavras, perante esta intencional e descarada acção de malfeitores, que aos poucos se veio tornando ainda mais impiedosa, brutal e desumana?… foi/é o que me tenho perguntado. Tudo se pôs pior, pela acção dessa gente, com o mais grave e dilacerante cenário em perspectiva, por via do orçamento agora anunciado, sem que se admitam medidas suavizadoras, em quanto, para quem… face às medidas traçadas, impensáveis para “todo o mundo”, inclusive para correligionários ou afins, organizados em partidos ou não, que agora vêm clamar contra essa miséria de futuro (de amanhã, já) a que nos querem obrigar.

Chamam-lhes incompetentes, impreparados, insensíveis, com falta de visão, de tacto político, chamam-lhes garotos, até. Sim, poderá ser tudo isso, mas para mim eles têm uma missão, que é a de, aproveitando a circunstância objectiva de as contas do país – as dívidas – serem o que são, e a economia nacional estar na situação calamitosa que se conhece e incapaz de se reerguer, conduzir-nos a um nível muito abaixo daquele a que nos propúnhamos, sendo que para isso há que fazer uma razia niveladora por baixo, conduzindo-nos a um grau pouco acima da indigência geral, com alguns (muito poucos) a beneficiarem desse novo quadro, que durará anos e anos, quem sabe se de lá sairemos, se não houver dura oposição e alternativa vencedora. Empobrecimento generalizado: é esse o objectivo, somente com os privilegiados bem acima (e por cima de todos) à boa e velha maneira do capitalismo mais selvagem, agora a coberto da democracia, formal até que…

Houve coisas incríveis que se passaram no nosso país, depois do 25 de Abril. Não estou a falar do próprio 25 de Abril (que felizmente aconteceu) nem do PREC, nem de nada que, associado à mudança de regime, tantos políticos, empresários, comentadores, etc., etc., tão regularmente vieram acusar de ter relação directa com as incapacidades do país, com o seu desenvolvimento, com o seu potencial para se posicionar no mundo das nações, para aí fazer negócios, para deixar de ser sistematicamente devedor… Não, nada disso. O que aconteceu/acontece é que o país teve/tem os governantes e a classe política que escolheu, teve/tem os empresários, técnicos, gestores que continuaram o que éramos ou emergiram nos novos tempos, pós 25 de Abril, e cuja liderança foi o que foi, é o que é, deu no que estamos a ver/viver. A grande maioria do povo português assistiu ao desfile; o povo, entusiasmado, generoso, porém ignorante, inculto, crédulo… votou, apoiou, confiou, foi ao engano dos empréstimos para tudo e para toda a gente, deixando todo o mundo refém dos bancos até ao fim da vida e, agora… vêm dizer-nos que “não pode ser, gastámos de mais”, quando o que eles querem dizer é ”vocês é que não podem ganhar o que ganham” e “a dívida tem que ser paga por vós”, ponto final.

Dezenas de anos de governos do chamado “arco do poder”, com PSD, PS e, episodicamente o CDS, deram nisto. Não só a nível nacional mas também a nível local. Quer dizer, os velhos e os novos alunos das universidades – das muito reputadas universidades nacionais e estrangeiras, das outras, normais, e daquelas outras, que foram (uma das) fraudes monstruosas do regime – os quais, alunos, comandaram/comandam partidos, empresas, organismos públicos, grupos de pressão, organizações secretas e sei lá mais que centros de poder e de influência, trouxeram Portugal ao pântano, ao caos, à miséria, à bancarrota, ao resgate e à chacota internacional. Os que foram/são poder e os que, não parecendo sê-lo – pela calada, atrás dos seus estatutos de impunidade, credores de confiança pública – se constituíram/constituem descaradamente determinantes em muitas situações: grupos de advogados, magistrados, juízes, e toda uma série de gente corrupta – gananciosos, jogadores em vários tabuleiros, manipuladores – de boas palavras, de falas mansas, com fatos e gravatas do melhor, com sinais óbvios de riqueza acumulada pelo roubo, porém capas de revista em toda a trampa de revista para encher o olho – toda essa choldra tem vivido impune, à custa do descer à cova deste cadáver em que eles converteram o País.

Não se salva ninguém dessa gente? Sim, é claro. Alguns deles estão hoje a bramar contra o Passos e o Gaspar. Como antes bramaram contra Cavaco, Sócrates, Guterres e outros. Porém, quem impediu os governantes, os técnicos, os dirigentes políticos de Portugal, e tantos outros, com estatuto de líderes e com poder, de fazerem outras escolhas, praticarem outras opções, em benefício de Portugal, quer dizer, em benefício da maioria dos portugueses? Não foi essa maioria, mas sim outros: os que, por interesses bem objectivos mas não afirmados, através de fraudes, corrupção, pressões ilegítimas, desvios colossais, despesas intencionalmente escamoteadas e sem controlo… os que tudo fizeram para se aboletarem com o que não era seu, mas da comunidade.

Depois… Quem mandou abater barcos de pesca e entregar dinheiro para isso aos armadores? Quem animou os agricultores e produtores agrícolas para abandonarem as terras, para arrancarem vinhas e olivais, dando-lhes dinheiros para isso? Quem incentivou e praticou uma desenfreada política de betão, em que as auto-estradas e os negócios de terrenos nas autarquias foram um maná, um despudorado roubo de que se aproveitaram os sempre protegidos grandes empreiteiros, fazendo campear um regabofe por autarquias pequenas, médias e grandes, enquanto o mercado do arrendamento era mantido esquecido, a apodrecer, a ruir, porque o importante era pôr cada português como proprietário, porque com isso ganhavam bancos, empreiteiros, autarcas, etc., etc.? Quem permitiu (e até incentivou) que tantos dinheiros vindos da Europa (quer dizer, dos contribuintes dos países da U.E., incluindo Portugal) fossem desbaratados, desviados, roubados, dados a fundo perdido, tantas vezes para projectos cujos beneficiários únicos foram aqueles que os receberam, que montaram umas coisas para fazer de conta, mas depois abalaram com a massa? E isso não foi só na formação profissional.

Depois… depois houve outras negociatas imensas, contra o próprio Estado, decerto muitas delas ainda não terão vindo à baila. Tais negociatas foram roubos claros, que abrangeram dezenas de anos de governação, dezenas de anos de administração pública e justiça coniventes, com a banca no centro de tudo, de onde saíram nomes de escândalos que, pasme-se, a própria justiça, um dos garantes de um regime democrático, afinal deixa prescrever, atrasa, pactua, se comporta com moderação, com cumplicidade, até, perante os poderosos, os criminosos, os inimigos do país cá dentro, enquanto que, perante os simples, ingénuos, pobres, cumpridores… surge com mão justiceira, implacável. Os casos são tantos e de há tanto tempo que agora já são difíceis de meter numa lista, mas, sem qualquer ordem… Submarinos, Freeport, Sucatas, BPP, BPN, CGD, BCP, Sobreiros, Isaltino, são só alguns dos mais importantes.

Pior ainda, sobre tudo isto, para além de tudo isto, uma classe que se acha “superior” – políticos, dirigentes, governantes, professores universitários de economia e finanças e de todas as novas ciências do mundo financeiro e empresarial, empresários de alto nível (não os velhos e mal preparados de sempre, das médias, pequenas e microempresas, mas os outros, os que surgem cheios de frases sonantes que parecem tudo saber e tudo dominar), banqueiros, gestores, enfim, aquela “nata não sei quê”, que tinha obrigação – nos seus domínios e em conjugação – de estudar, analisar, prever, planear, etc., etc., até por fim decidir, e bem – pois essa gente estudou para isso, não é?… essa gente tão cheia de prosápias, de superioridades, por norma desdenhando do sentir e do saber da maioria – do povo – essa gente não soube (há quem diga que não quis) ver que o Euro era um objectivo, não uma chegada, mas um princípio, um caminho muito, muito exigente – tal como a Europa não o soube – que o país não estava preparado, e que era preciso muito, muito mais do que se fez, que era preciso fazer de modo muito diferente, porque a nossa estrutura económica estava tão longe do necessário para o Euro, os nossos dinamismos de então não chegavam, e assim, nesse caminho, com a forma como estivemos e estamos, o que nos aconteceu mais tarde ou mais cedo aconteceria, ainda mais quando tudo o que de mal fizemos (grandes opções mal estudadas e tomadas, muitos roubos e patifarias) nos deixou frágeis, como folha de papel perante o vendaval da crise que varre o mundo capitalista.

E agora, muitos dos que estudaram, analisaram, previram, planearam, decidiram… mal!…escamoteando as verdades, mentindo, “empurrando para diante” a resolução dos problemas, ou por outro lado sendo actores, ou coniventes, ou orelhas moucas e olhos fechados perante os desmandos de outros tantos… esses dizem… vocês agora é que têm de pagar a crise…

A situação é MUITO GRAVE. Apesar de tudo o que se tem dito, ninguém sabe o que, afinal, vai resultar daqui, se estas medidas forem por diante. Os portugueses estão a ser enganados até nesta profusão de informações sobre o orçamento de 2013, as constantes notícias, as alterações diárias, as posições divulgadas, as previsões, os comentários. Tudo está a surgir aos bocados, e sem a suficiente clareza. Se, como se prevê, as medidas forem, no essencial, as divulgadas, só em Janeiro e, ano de 2013 dentro, os portugueses se confrontarão com o ano horrível que aí vem, que se segue a outros anos já de si maus. 2013 e muitos anos a seguir (no mínimo 10, é o que dizem) é o cenário que nos espera. Nós, a maioria dos portugueses, que não contribuiu nada para isto, mas sobre quem está a ser lançado o terramoto de desumanidade e de violência que estas medidas encerram, causadoras de fome, miséria e morte, contra as quais temos de lançar uma acção de autodefesa clara, de cidadania activa, de democracia, através de um NÃO ROTUNDO, PROFUNDO, CONSEQUENTE E PERSEVERANTE, nas ruas, por todos os meios democráticos que a sabedoria popular decerto encontrará. Se não, é a podridão, a miséria, a morte – a morte das pessoas e deste país, resgatado do silêncio e de outra ditadura horrenda, somente há 38 anos.

This entry was published on 16/10/2012 at 19:35. It’s filed under Política, Portugueses and tagged , , . Bookmark the permalink. Follow any comments here with the RSS feed for this post.

2 thoughts on “ORÇAMENTO DE 2013 – MISÉRIA E MORTE, NÃO!

  1. Corroboro inteiramente a sua opinião caro amigo. Mas o mais grave disto tudo e que tenho referido insistentemente é que o eleitorado em 38 anos de democracia revela um certo saudosismo do passado, por isso patrocina esta ditadura encapotada. Um abraço

  2. Reinaldo Ribeiro on said:

    Companheiro

    Começava a ter saudades das tuas opiniões críticas sobre a actualidade angustiante que nos sufoca.
    Concordo contigo em tudo o que escreves, contudo, permito-me acrescentar mais uma coisa:
    Foi incutida na mente do povo português uma enorme mentira (com perto de quatro décadas) com a qual quase ninguém se preocupou e que é, afinal, a génese da nossa desgraça. E foi com uma simples frase: “Portugal é uma democracia!” Quanto a mim, o problema está aqui, porque Portugal não é, não foi e, provavelmente, nunca será uma democracia. A Democracia é o governo do povo para o povo, e através da participação DIRECTA desse mesmo povo no governo do país. O que tivemos até agora foi uma delegação de poderes para que alguns, eleitos de forma “democrática” (segundo dizem!), fazerem o que querem em nome do povo. Sob o nosso olhar benevolente, a tal democracia nascente em 1974 transformou-se, antes que estivesse implantada, numa vitoriosa CLEPTOCRACIA. E nós, orgulhosamente “democráticos”, dizíamos: daqui a quatro anos tiramo-los de lá! Ao fim de 38 anos de eleições qual foi o resultado ? Apenas um, permitimos a formação de quadrilhas absolutamente impunes que se perpetuam no poder que, com os olhos cheios de cifrões, nos conduziram a esta desgraça (como tu dizes).

    Reinaldo

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